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Geopolítica e Política

Lusa - Lusística - Mundial

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Sidónio, a construção de um mito

14.12.21 | Duarte Pacheco Pereira

Sídónio Pais à varanda da Câmara de Lisboa

 

A morte de Sidónio Pais (14 de Dezembro) consuma a decadência final, anunciada desde o regicídio de 1908. Nele revêem-se os republicanos autoritários na apoteose dos gritos ao Chefe, os monárquicos esperançosos na personalização do poder, nele reconhecer-se-ão os fascistas e exaltadores do militarismo do novo século, mas também os artistas do futurismo impulsionados pela estética radical que suplante o anacronismo burguês oitocentista. Para os conservadores um preservador da ordem, para os católicos um enviado dos céus, e, na senda modernista revêem outros a renovação da tradição encarnada no cesarismo.

O registo ainda não fora definido, mas na década seguinte encontraria paradeiro: a poesia da violência e o gosto do perigo, a política elevada à estética, o mito suplantando a razão, o heroísmo elevado a virtude, a condução da massa informe a uma unidade de destino.

Talvez inconscientemente Sidónio inaugurava o século XX em Portugal. Ainda que maçon, ainda que republicano da tradição laica e jacobina (o sintomático mal que assolou a inteligência portuguesa), mas acima de tudo um patriota. O homem que muito antes antecipou Mussolini, na vida e acção volátil e veloz que profetizava o século XX. Que marchou sobre Lisboa antes dos camisas negras entrarem em Roma – inaugurava na sua audácia um século novo. Verdadeiramente protótipo do revolucionário de topo, um César redentor da república, bem sintetizava a máxima de Oliveira Martins escritas décadas antes: “um sabre contendo um pensamento”.

Homem de gesta guerreira que fardava junto às massas o seu idealismo. Populista e cesarista, bonapartista e nacionalista, como não se conhecia na paisagem seca de uma política de caciques e de bufos. Nele o presidente confundia-se com o rei, face ao trono vacante que deixara o país entregue à anarquia. E viveu como o século: perigosamente, velozmente, na promessa de regenerar a pátria. Um ano bastou – como se tivesse vivido a existência plena de um povo.

Assim se distingue um homem cuja mítica suplanta a própria vida e vai além da mortalidade.

Morreu em sentido paradoxal ao do Rei D. Carlos, um por tentar regenerar a monarquia, outro por procurar regenerar a república. Ambos na atitude de salvar a pátria. Na esperança de uma revolução que teria de aguardar, para mais tarde, então numa manhã de Maio.

Deixo (alguns dos) sublimes versos de Fernando Pessoa:

À MEMÓRIA DO PRESIDENTE-REI SIDÓNIO PAIS

Se Deus o havia de levar,
Para que foi que no-lo trouxe
Cavaleiro leal, do olhar
Altivo e doce?

Soldado-rei que oculta sorte
Como em braços da Pátria ergueu,
E passou como o vento norte
Sob o ermo céu.

Mas a alma acesa não aceita
Essa morte absoluta, o nada
De quem foi Pátria, e fé eleita,
E ungida espada.

Se o amor crê que a Morte mente
Quando a quem quer leva de novo
Quão mais crê o Rei ainda existente
O amor de um povo!

Quem ele foi sabe-o a Sorte,
Sabe-o o Mistério e a sua lei
A Vida fê-lo herói, e a Morte
O sagrou Rei!

 

O original, de Daniel Sousa, foi publicado no Facebook às 11:38 de 14 de Dezembro de 2021 (aqui) e partilhado por Pedro Bastos Rabaça às 11:46 do mesmo dia (aqui).

 

 

 

 

 

 

FIM

 

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