Portugal-Reino: Passado, Presente… Futuro?
Um artigo da autoria de Viriato Soromenho-Marques
seguido de um comentário ao dito artigo de minha autoria.
O interesse nacional num mundo incandescente
Viriato Soromenho-Marques • Diário de Notícias • 17 de Agosto de 2024 às 00:00
Quem nos governa esqueceu a razão essencial da existência do Estado. O interesse nacional consiste em identificar os valores essenciais de uma comunidade política (as vidas de todos e cada um, a fazenda dos seus membros, e o futuro coletivo) e mobilizar todos os meios para os salvaguardar. As alianças externas, para Portugal, sempre foram essenciais. Da Santa Sé à Grã-Bretanha, até aos EUA, Portugal procurou em potências maiores, mas com interesses convergentes, aliados para se defender.
Durante mais de meio milénio, os aliados externos serviam para escudar não apenas o território europeu, mas o império para onde o país se foi estendendo. Esse império, era não só parte do interesse nacional, como, quando falhava o apoio externo, servia ele mesmo de suporte para proteger o retângulo europeu.
No início, a Restauração, com a Inglaterra mergulhada numa longa guerra civil, o Brasil foi essencial. Primeiro, militarmente, na reconquista de Angola aos holandeses, e depois com o génio político do Padre António Vieira, nos labirintos da diplomacia europeia. O Brasil salvaria o Estado, outra vez, nas invasões francesas, dando tempo à velha Aliança, sob Wellington, para funcionar.
Desde 1890, Portugal passou por quatro perigos com elevado risco existencial. Primeiro, com o Ultimato Britânico em torno dos territórios africanos entre Angola e Moçambique. O rei Dom Carlos I fez o que lhe competia na defesa do interesse nacional, e evitou um conflito com Londres, do qual só poderíamos sair derrotados e humilhados. A fúria colonialista dos republicanos emergentes nunca perdoaria ao rei ter agido como um estadista.
Segundo, na I Guerra Mundial. Os “jacobinos” (era assim que Ramalho Ortigão designava os fundadores da I República), conseguiram, recorrendo à violência (incluindo o golpe de 14 de maio de 1915, que custou mais de 200 vidas), meter-nos na guerra europeia contra Berlim. O pretexto usado da defesa das colónias era falso. Na verdade, a luta em África contra os alemães começou logo em 1914. A guerra europeia empobreceu Portugal e acelerou o fim do regime.
O terceiro momento crítico ocorreu na II Guerra Mundial. O modo como Salazar conduziu a política de neutralidade portuguesa, nas diferentes fases do conflito, fica como um caso de estudo de sucesso diplomático no século XX. Contudo, o regime do Estado Novo, mantendo-se fiel ao espírito colonialista da I República, acabaria por sucumbir pela hubris. Salazar substituiu uma análise política realista do potencial nacional e do seu contexto, por uma desastrosa aposta numa guerra interminável.
O quarto e maior perigo existencial para Portugal é o que estamos a viver. Como tenho escrito, o alinhamento nacional com a escalada bélica, que constituiu a resposta da NATO à Rússia na guerra da Ucrânia, é um erro estratégico.
A actual ofensiva ucraniana em Kursk – com o apoio das palavras e das armas da NATO – humilhou simbolicamente a Rússia, que defende o seu território pela primeira vez desde a invasão hitleriana. É improvável que, além de expulsar as brigadas inimigas do seu território, a Rússia se abstenha de dar uma resposta com um grau suplementar de violência, ainda desconhecido.
Além disso, Portugal estará também envolvido na escalada bélica no Médio Oriente. As decisões militares dos EUA, e por arrasto dessa criatura híbrida NATO/UE, são tomadas por Netanyahu, que veio a Washington exibir-se como o CEO e o maior acionista do Congresso dos EUA. O “mundo governado por regras” revelou-se como uma farsa sangrenta. Foi a ela que nos entregámos, num gesto de autoflagelação do interesse nacional sem precedente histórico.
Em vez da paz e da igualdade dos povos – bandeiras do 25 de abril de 1974 – somos copromotores de uma possível guerra geral na Europa, e cúmplices, mesmo que envergonhados, no genocídio do povo encurralado em Gaza, incluindo mais de um milhão de mulheres e crianças. “O fraco rei faz fraca a forte gente.” Nunca Camões teve tanta razão.
fim
O meu comentário…
Tirando esta tirada:
«Contudo, o regime do Estado Novo, mantendo-se fiel ao espírito colonialista da I República, acabaria por sucumbir pela hubris. Salazar substituiu uma análise política realista do potencial nacional e do seu contexto, por uma desastrosa aposta numa guerra interminável.»
subscrevo inteiramente a análise de Viriato Soromenho-Marques.
E porquê tirando a tirada supra?
Porque o Decreto-Lei n.º 43893, de 6 de Setembro de 1961, que revogou o “Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique” (Decreto-Lei n.º 39666, de 20 de Maio de 1954), rompeu com a “tradição” colonialista dos republicanos, nessa época já instalados, e teve importantíssimas consequências psicológicas, culturais, económico-sociais, politico-militares, nas então Províncias Ultramarinas de Angola, Guiné e Moçambique.
FIM