O rei vai nu
ou Da descredibilização da narrativa
Uma coisa é a realidade, outra coisa é a narrativa.
A narrativa é a forma como transmitimos aos outros a nossa percepção da realidade.
Logo a narrativa não coincide completamente com a realidade, ou porque não percebemos completamente a realidade, ou porque nos interessa transmitir aos outros uma percepção da realidade que com ela não coincide completamente.
Se a narrativa se afastar demasiado da realidade mais cedo ou mais tarde todos se aperceberão da discrepância, o que descredibilizará a narrativa e quem a veicula.
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Quem és tu? perguntei
Ao ver tamanha beleza
E o espelho em que me mirei
Mostrou-me a realeza
Sim, eu sou rei de tudo
vaidoso quero permanecer
De opulento quase expludo
e todos tem de me obedecer
Eu sou o rei que brilha
Encanta, fascina e deslumbra
Sou a oitava maravilha
formosura que assombra
Mas pobre de mim, que desgraça
que irónica adversidade
Não haver trapinho que jus faça
A tão ofuscante personalidade
Tu aí, súbdito leal
vais procurar com critério
pois quero para o desfile real
O melhor tecido do império
Sim meu rei adorado
Viajarei de lés a lés
Para trazer um brocado
que jogue o mundo a teus pés
E lá foi o real mensageiro
De povoado em povoado
À procura de mágico tecido
Por ninguém antes usado
Quando tudo parecia perdido
após muito reino palmilhado
Eis que alguém teria ouvido
Falar do tecido desejado
Mesmo, mesmo ali ao lado
À distância de apenas um passo
Estava um velho encapuzado
que dizia a compasso
Sei fazer um tecido vistoso
De cores nunca antes vistas
Um entrelaçado curioso
de padrões vanguardistas
Mas é tecido especial
Não é para todas as mentes
Pois só o podem ver
aqueles que são inteligentes
E assim foi apresentado
O espertalhão ao rei vaidoso
Para tecer o muito aguardado
Tecido maravilhoso
Trabalhou por um dia
dois, três e uma semana
Mais tempo que o que previa
Sua majestade ufana
Eis que o orgulhoso regente
cansado de tanto esperar
manda o seu mais inteligente
Ver o que se estava a passar
Ao chegar à sala do tear
do velho encapuzado
ao inteligente falta-lhe o ar
e fica petrificado
Os olhos esgazeados
Percorrem o vazio
ao invés do tecido esperado
Não se vê nem um fio
E o velho a sorrir
Aponta para o tear
Diz: Foi difícil de cerzir
Mas está como era de esperar
O inteligente esboça
um gesto de compreensão
pois não quer ser motivo de troça
Pela sua falta de visão
Com corte nunca antes visto
É bonito, arrojado e moderno
Vai servir como previsto
Ao nosso suserano
E assim foi espantado
O inteligente ministro
Dar notícias ao potentado
do que afinal não tinha visto
O rei entusiasmou-se
E informou decidir
que daria o que fosse
Bastaria o velho pedir
E assim fez o velho
Pediu o seu peso em ouro
E o real pingarelho
Deu-lhe parte do tesouro
Chegou o dia esperado
a hora do desfile real
O rei todo pelado
Numa imagem surreal
Que linda é essa vestimenta
Diz o real conselheiro
E que bem que assenta
No vosso real traseiro
E o rei embevecido
de pirilau a pender
Abalou sem nada vestido
Sem se aperceber
Estupefação geral
Silêncio na parada
Sua alteza real
Trazias as joias penduradas
O rei avançou decidido
Por entre a multidão
Até que se ouve um alarido
Uma grande comoção
Um petiz atrevido
Apontando para o real tutu
Grita bem divertido
OLHEM O REI VAI NÚ !
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Imagem e poema roubados a nunomaf
FIM