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Geopolítica e Política

Lusa - Lusística - Mundial

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O rei vai nu

ou Da descredibilização da narrativa

19.07.23 | Duarte Pacheco Pereira

O rei vai nu.jpg

 

Uma coisa é a realidade, outra coisa é a narrativa.

A narrativa é a forma como transmitimos aos outros a nossa percepção da realidade.

Logo a narrativa não coincide completamente com a realidade, ou porque não percebemos completamente a realidade, ou porque nos interessa transmitir aos outros uma percepção da realidade que com ela não coincide completamente.

Se a narrativa se afastar demasiado da realidade mais cedo ou mais tarde todos se aperceberão da discrepância, o que descredibilizará a narrativa e quem a veicula.

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Quem és tu? perguntei
Ao ver tamanha beleza
E o espelho em que me mirei
Mostrou-me a realeza

Sim, eu sou rei de tudo
vaidoso quero permanecer
De opulento quase expludo
e todos tem de me obedecer

Eu sou o rei que brilha
Encanta, fascina e deslumbra
Sou a oitava maravilha
formosura que assombra

Mas pobre de mim, que desgraça
que irónica adversidade
Não haver trapinho que jus faça
A tão ofuscante personalidade

Tu aí, súbdito leal
vais procurar com critério
pois quero para o desfile real
O melhor tecido do império

Sim meu rei adorado
Viajarei de lés a lés
Para trazer um brocado
que jogue o mundo a teus pés

E lá foi o real mensageiro
De povoado em povoado
À procura de mágico tecido
Por ninguém antes usado

Quando tudo parecia perdido
após muito reino palmilhado
Eis que alguém teria ouvido
Falar do tecido desejado

Mesmo, mesmo ali ao lado
À distância de apenas um passo
Estava um velho encapuzado
que dizia a compasso

Sei fazer um tecido vistoso
De cores nunca antes vistas
Um entrelaçado curioso
de padrões vanguardistas

Mas é tecido especial
Não é para todas as mentes
Pois só o podem ver
aqueles que são inteligentes

E assim foi apresentado
O espertalhão ao rei vaidoso
Para tecer o muito aguardado
Tecido maravilhoso

Trabalhou por um dia
dois, três e uma semana
Mais tempo que o que previa
Sua majestade ufana

Eis que o orgulhoso regente
cansado de tanto esperar
manda o seu mais inteligente
Ver o que se estava a passar

Ao chegar à sala do tear
do velho encapuzado
ao inteligente falta-lhe o ar
e fica petrificado

Os olhos esgazeados
Percorrem o vazio
ao invés do tecido esperado
Não se vê nem um fio

E o velho a sorrir
Aponta para o tear
Diz: Foi difícil de cerzir
Mas está como era de esperar

O inteligente esboça
um gesto de compreensão
pois não quer ser motivo de troça
Pela sua falta de visão

Com corte nunca antes visto
É bonito, arrojado e moderno
Vai servir como previsto
Ao nosso suserano

E assim foi espantado
O inteligente ministro
Dar notícias ao potentado
do que afinal não tinha visto

O rei entusiasmou-se
E informou decidir
que daria o que fosse
Bastaria o velho pedir

E assim fez o velho
Pediu o seu peso em ouro
E o real pingarelho
Deu-lhe parte do tesouro

Chegou o dia esperado
a hora do desfile real
O rei todo pelado
Numa imagem surreal

Que linda é essa vestimenta
Diz o real conselheiro
E que bem que assenta
No vosso real traseiro

E o rei embevecido
de pirilau a pender
Abalou sem nada vestido
Sem se aperceber

Estupefação geral
Silêncio na parada
Sua alteza real
Trazias as joias penduradas

O rei avançou decidido
Por entre a multidão
Até que se ouve um alarido
Uma grande comoção

Um petiz atrevido
Apontando para o real tutu
Grita bem divertido
OLHEM O REI VAI NÚ !

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Imagem e poema roubados a nunomaf

 

 

 

 

 

 

 

FIM

 

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