O pior é o mundo lá fora
Por Jaime Nogueira Pinto no Observador às 00:18 de 11 de Outubro de 2015

The secret world of gentlemen's clubs
“Era em circunstâncias idênticas” – escrevia Eça de Queirós nas Cartas de Inglaterra – que Granville, “olhando…para todos os lados do horizonte político e social e não vendo senão presságios negros de revolta, guerra, crises e perigos para a pátria, dizia, banhado em júbilo, quase em êxtase: – Meu Deus! Que deliciosas noites se vão passar no Club”.
Hoje, as circunstâncias voltaram a ser idênticas. Ainda que o mundo lá fora não esteja para júbilos e um rol de desgraças se abata sobre “o sistema”, vamos certamente poder continuar a contar com “deliciosas noites” nos nossos “clubes de jornalistas” de referência.
Da República Checa ao Japão
Que dizer das eleições parlamentares na República Checa, de 3 e 4 de Outubro, ganhas pelo ANO, um partido de “extrema-direita” com um programa de realismo em política externa, de baixa de impostos, aumento de pensões, controle de imigração e poucas ou nenhumas preocupações verdes? É que o partido dos “cidadãos descontentes”, com 35% do voto popular e 80 deputados eleitos, não deve ter grande dificuldade em fazer governo com o apoio de mais dois partidos de uma direita ainda mais extrema – o Partido da Liberdade e Democracia Directa e o chamado Partido dos Motoristas.
E das eleições para a liderança do partido da direita que está no governo no Japão, no passado Sábado? Quem as ganhou foi Sanae Takaichi, uma “hard-line conservative”, segundo o New York Times, que assim se torna a primeira mulher indigitada para chefe do Executivo no Japão.
França: Macronia e carnificina eleitoral
Em França a crise da tripolarização continua, sob a agitada regência de Macron, em permanente gesticulação internacional e marcial para abafar a cacofonia doméstica. O desfile dos candidatos a primeiro-ministro prossegue. Agora foi a vez de Sébastien Lecornu, o primeiro-ministro que permaneceu 27 dias no cargo, renunciar, da noite para o dia, à chefia de um governo que durou 14 horas – das 19h40m de Domingo, 5 de Outubro, às 9h45m de Segunda-Feira, 6 de Outubro.
Por umas horas, o governo ainda conseguiu juntar macronistas de várias orientações e algumas personalidades de Les Républicans, compreendendo a “direita civilizada”. Mas foi dessa “direita civilizada” que chegou a ruptura, quando Bruno Retailleau, de Les Republicans (ex-ministro do Interior e considerado da “linha dura”) manifestou o seu descontentamento perante um governo, cuja “composição não reflectia a ruptura prometida”.A crítica foi publicada na rede social X menos de duas horas depois do anúncio do governo. Assim, na noite de Domingo, caía ainda antes de ser submetida ao parlamento a solução Lecornu, cozinhada pelo Centrão, ignorando as oposições à direita e à esquerda (do Rassemblement National e dos Insubmissos).
Na Quarta-Feira, 8 de Outubro, o Figaro publicava os resultados de um inquérito à opinião pública. Quem era o principal responsável pela crise política, em França? O resultado não surpreendia: para 57% dos inquiridos, era Macron. E como sair da crise, que paralisava o país, há vários meses? Para a maioria dos inquiridos (60%) só com uma dissolução da Assembleia Nacional e novas eleições legislativas. Sempre segundo as sondagens do Figaro, 7 em cada 10 franceses queria a demissão de Macron, sendo que, desses 70%, 48% se diziam “muito favoráveis” à demissão do Presidente e 22% apenas “favoráveis”.
Dizia ainda ao Figaro um observador próximo de Les Republicains que, “se houvesse uma dissolução, ia ser uma carnificina eleitoral”. E como a “carnificina” atingiria, sobretudo, o centro macronista e os seus partidários, o Presidente francês vai multiplicando os gestos belicistas, procurando aparecer como o grande campeão da russofobia. Para a França da V República, com instituições criadas por De Gaulle, que fizerem do Presidente a chave constitucional de todo o sistema, a agitação de um chefe do executivo internamente fraco, hesitante e ambíguo e internacionalmente extridente não augura nada de bom.
Levados por este clima, e não querendo deixar para a Direita Nacional o papel de impulsionadores da iniciativa, 104 parlamentares de esquerda, na maioria do La France Insoumise, apresentaram à Assembleia Nacional uma proposta de destituição do Presidente da República. Na apreciação prévia, o secretariado do parlamento chumbou a moção, com a abstenção dos deputados do Rassemblement National.
A França vive um momento político c omplicado, de tripolarização, com três blocos político-partidários fortes: a direita do Rassemblement National de Marine Le Pen e Jordan Bardella, o centro de Emmanuel Macron e Gabriel Attal e a Esquerda Radical dos Insubmissos de Mélanchon e dos Socialistas. Três blocos só capazes de se entenderem a dois para bloquear o terceiro. Restam a “direita moderada” de Les Republicains, e a Reconquête de Zémmour.
Na sondagem Toluna Harris Interactive para a RTL, de 8 de Outubro, numa primeira volata, os candidatos presidenciais Le Pen e Bardella ficariam largamente à frente, com 34% e 35% dos votos, respectivamente; isto é, com mais 12 pontos do que na primeira volta de 2022 (23%). O mais bem classificado do centro alargado à direita moderada seria Edouard Philippe (15/16%) de Les Republicains, e, à esquerda, Jean-Luc Mélanchon teria 14%. Contando com o tradicional apelo a uma “frente anti-fascista” na segunda volta, resta saber qual deles passaria; e se o número de centristas e centro-direitistas a votar por Mélanchon seria suficiente para colmatar o deficil face ao Rassemblement, ou se os esquerdistas de Mélanchon votariam em Edouard Philippe – para muitos deles, um perigoso protofascista.
Mas pior ainda para a Esquerda e o Centrão é o cenário das eleições parlamentares. Uma sondagem da Opinium Way para CNEWS dá o Rassemblement National à frente, com 33%, e 4% para a Reconquête. A Esquerda Unida, do Nouveau Front Populaire, ficaria pelos 25% e, ao centro, o macronismo cairia para 15% e Les Republicains subiriam para 13%.
Na esquerda há uma “guerrilha” dos Verdes e dos Socialistas contra os Insubmissos. Ou seja, em França, há, neste momento, uma “Extrema-Direita” (RN, Reconquête, Debout la France, Divers Droites) que soma 41% das intenções de voto; uma “Direita moderada” (Les Républicains) com 13%; o centro macroniano com 15% e a Esquerda e a Extrema Esquerda com 25%.
Esta é a penosa realidade política no segundo país da União Europeia, parte integrante do rol de desgraças que se abate sobre o mundo e sobre os seus habituais comentadores e pivots noticiosos.
A última gota foi quando, na noite de Quarta-Feira, veio o anúncio de que Trump, o arqui-vilão dos folhetins comentatórios, tinha conseguido a paz em Gaza.
Nem tudo está perdido
Mas nem tudo está perdido e ainda há lugar para algum júbilo: o facto de Trump não ter conseguido o Nobel da Paz promete proporcionar “deliciosas noites” televisivas, com imagens em loop do vilão a pedir o prémio e cortes cirúrgicos naquela parte em que diz “eles nunca mo vão dar”. Há que encontrar júbilo onde se pode para que a vida nos clubes de informação continue. A vencedora do prémio, Maria Corina Machado, tem, pelo menos, o mérito de não ser Trump… e o facto de ser a líder da resistência anti-comunista venezuelana pode também ser ignorado.
Estava-se tão bem no Clube se não houvesse mundo lá fora!
Ler aqui o original e os comentários dos leitores.
FIM