NPR “Mondego”
Uma opinião sobre o que se passou e porque se passou
Domingos David Pereira, Sargento-mor da Armada, na situação de Reforma
Fui encontrar este texto e tomei a liberdade de partilhar aqui… é bom ler até ao fim.
Crónica nacional – 13 – TREZE
(Actualizado)Domingos David Pereira
Sargento-mor da Armada, na situação de Reforma.
Antigo dirigente da ANS.Para quem como eu serviu Portugal na Marinha durante 36 anos não é fácil (ou seria, mas procurarei afastar-me dessa tentação…) vir aqui escrever sobre a posição dos 13 Marinheiros – porque todos servem na Marinha – da guarnição do NRP Mondego, o qual não conheço, quando passei à situação de Reserva esses navios ainda não existiam, e, provavelmente, aqueles 13 “Filhos da Escola” ou ainda não tinham assumido a Condição Militar ou o tinham feito há muito pouco tempo e o mais provável é não conhecer nem ser conhecido por nenhum deles, excluindo desde já a hipótese de estar a falar de alguém conhecido sequer.
Muito tem sido dito e escrito acerca do assunto, nalguns casos por gente que não sabe distinguir um Alcache de um Lais de Guia, menos ainda do profundo significado da Disciplina Militar e das suas implicações para todos os militares de todas as patentes e posicionamento hierárquico. Porém do muito já dito, uma boa parte “coisas aventadas” sem cuidar sequer de o fazer de costas para o vento, os marinheiros sabem porquê por experiência própria, há uma coisa acertada: “Os navios [não embarcações] de guerra estão preparados para navegar em condições muito degradadas” – sim, é verdade.
Porém, esta como todas as verdades tem os seus pressupostos; no caso vertente, estabelecidos pelo Construtor reflectindo os requisitos dos fabricantes dos muitos equipamentos componentes dessa Unidade Naval, que passam por limites temporais e de condições de funcionamento, de onde ressaltam horas de trabalho, substituição atempada de componentes cuja durabilidade é limitada, só para citar dois aspectos já vindos a lume.
Outro aspecto é o facto de a construção de um Navio de Guerra, combatente ou não, ter normas técnicas de flutuabilidade e estanquidade, por exemplo, que passam por só atingirem esse estado degradado quando submetidos a combate ou a intempéries inusitadas, e mesmo após essas “provas de fogo” conseguem manter a flutuabilidade e navegar até águas seguras para efectuar as necessárias reparações.
Ora, como se sabe aquele Navio não entrou em combate bélico, nem foi sujeito a uma intempérie inusitada. Aquele navio e a sua guarnição, tal como todas as Unidades Militares Portuguesas e as próprias Forças Armadas têm sido submetidas há mais de quarenta e cinco anos a um ataque sistemático por parte dos vários Governos assumindo estes o papel de “Comissão Liquidatária faz Forças Armadas”, com o beneplácito, quando não com a colaboração, dos Chefes de Estado Maior e de muitos oficiais generais e superiores, num esquema perverso de escolhas pelo poder Político.
E foi desse Combate desigual, entre as políticas dos Governos e as Forças Armadas, do qual o NRP Mondego saiu no estado degradado reconhecido implicitamente pelo próprio ALM CEMA e pelo Comandante Naval da Madeira, que, de uma forma nada consentânea com a ética militar agora tão apregoada, deixou ao critério do vulnerável Comandante do Navio a decisão de cumprir ou não a missão – e este aspecto tem sido descurado na mensagem passada ao nosso povo.
Aliás, não só este navio mas uma boa parte da Marinha está nesta situação, pois na senda da “Liquidação das Forças Armadas” o Arsenal do Alfeite foi privatizado e diminuído, (pois externilizar – estes palavrões… – as reparações dá origem a concursos e estes, como o caso do ex-HMDIC veio evidenciar, originam negociatas escusas… e mais não digo para não fugir ao tema) encarecendo as manutenções atempadas, e, por isso, vão sendo adiadas “para quando houver verba”, mas as missões têm de se cumprir, custe o que custar, segundo o ALM CEMA. E assim, um dos pressupostos para os Navios de Guerra poderem operar em condições degradadas, fica corrompido, e todos sabem disso.
Portanto o que aqueles 13 Bravos “Filhos da Escola” nos vieram dizer – de forma disciplinada e frontal, como é apanágio da Condição Militar, após terem rumado ao Funchal e debelado o enésimo alagamento por obsolescência de um componente da refrigeração do único Motor Principal em funcionamento deficitário por já ter mais de 2.000 horas de funcionamento sem manutenção segundo as recomendações do fabricante – foi que a degradação provocada por esse combate surdo e invisível aos olhos da maioria, já atingiu o limite a partir do qual a estanquidade e a flutuabilidade do Navio não oferecem segurança na sua navegabilidade, podendo ficar à deriva ou afundar-se.
O Governo ao ordenar de imediato a deslocação de meios para o local a fim de a degradação mais visível ser ocultada, como o Comandante do navio veio reconhecer: “A operacionalidade foi retomada após esta manutenção”, comprova a justeza da posição daqueles Homens e Marinheiros honrando a sua farda e o seu Juramento de Bandeira ao tornarem público este combate criminoso de décadas. BEM HAJAM POR ISSO.
Quanto aos aspectos legais, o seu advogado saberá melhor do que eu como argumentar em sua defesa, mas não deixo de notar dois aspectos: Primeiro: o ALM CEMA ao repreendê-los publicamente, em directo, a cores e ao vivo já os castigou disciplinarmente, e para o mesmo crime só pode haver um castigo; Segundo: como já muitos referiram, o ALM CEMA no seu afã de se exibir em público de “chicote” na mão a zurzir naqueles sobre os quais também tem o dever de tutela, incorreu no crime de punir e referir-se injuriosamente aos seus homens como criminosos sem ter sido concluído qualquer processo, disciplinar ou outro, e, por isso, não pode haver processo transitado em julgado. E, neste caso, mesmo sem ter sido instaurado processo ao ALM CEMA já o podemos dar como tendo cometido esse crime em público, venham agora afirmar o que quiserem.
O Comandante-Supremo das Forças Armadas, o actual e anteriores, tem muito pouca margem pois também ele nas várias funções públicas exercidas até hoje nunca ousou sequer objectar contra esse tal Combate de Liquidação e Degradação das Forças Armadas, se não colaborou activamente fê-lo por omissão. Aliás, como no concernente ao Incumprimento da CRP por parte dos Governos, basta ler o artigo 7º Deveres do Estado, para se aferir desse Incumprimento da Lei Mãe de todo o edifício Jurídico Português, também por parte daquele que constitucionalmente deveria ser o seu guardião.
Acrescenta-se:
Todos aqueles que serviram Portugal na Marinha conhecerão tão bem ou melhor do que eu o Calvário que era, e pelos vistos é, conseguir resposta atempada a um Relatório de Avaria e pedido de reparação, ou de uma requisição de material ser aviada para a reparação ser efectuada com os meios de bordo, ou seja por nós técnicos operacionais embarcados.
Pelo que vou lendo nas parcas notícias e pelo relatório de bordo enviado por um antigo camarada embarcado no mesmo navio, imagino a grossura das pastas dos Sargentos de Máquinas e Electricista de bordo, reportando avarias e requisitando material ao longo dos anos sem a cadeia de Comando responder sequer, deixando a situação degradar-se até ao ponto conhecido.
A Disciplina é necessária em qualquer organização, e quanto maior o perigo enfrentado pelos seus membros mais esta deverá ser levada a sério e acarinhada, como um bem para salvar vidas e garantir a coesão e a segurança de todos. Nos seus fundamentos preambulares no próprio RDM (Regulamento de Disciplina Militar), fica implícito desde logo a Confiança, na qual a Disciplina assenta. O militar tem de ter plena confiança na cadeia de Comando, de que esta age de acordo com princípios éticos e profissionais conhecidos, reconhecidos e aceites sem margem para dúvida.
E, a meu ver, a tal COLA de que fala o ALM CEMA é a Confiança, essência e base da disciplina e de todo o funcionamento interno da organização, qualquer que ela seja, a militar de um modo muito especial e dramático, pois dela podem depender vidas humanas. E sempre que a Cadeia de Comando não responde com a celeridade devida ou nem responde sequer aos reportes e solicitações da base, estão a deitar água na tal COLA, enfraquecendo a disciplina, minando assim as bases éticas e profissionais em que assenta a Confiança, e, por consequência, a Disciplina.
Haverá por certo um ou mais processos a decorrer, seria bom, para aclaramento total da verdade, seguirem a pista desses tais relatórios de avaria e as requisições de material, se foram ou não atendidos, ou sequer respondidos e em que termos e os porquês, as razões pelas quais havendo conhecimento superior em diversos escalões operacionais das situações relatadas, a situação operacional do navio chegou a este ponto – e se se quiser saber mais, estender essa pesquisa aos restantes navios, de forma cautelar, prevenindo assim outras ocorrências.
Quando ainda estava no activo, cada Relatório tinha um caminho ascendente, consoante a tipo de Navio, mas sempre semelhante: preenchido pelo técnico de bordo, assinado pelo seu chefe de serviço, levado ao Comandante que o despachava e encaminhava para o exterior no patamar seguinte: Comando da Flotilha, Esquadra ou Esquadrilha consoante o tipo de Unidade Naval, com conhecimento ao Comando Naval respectivo, e daí encaminhado para a Direcção de Navios com conhecimento à respectiva Superintendência, e, eventualmente, desta para o Estado-Maior.
A Requisição de material seguia um percurso idêntico na área dos Abastecimentos ou da Logística. Uma cadeia hierárquica e burocrática bem pesada sob o superior comando do ALM CEMA.
Por aqui se pode ver a quantidade de superiores hierárquicos envolvidos na situação, na qual o pessoal de Bordo, Comandante incluído, pouco ou nada pode fazer, ficando dependente dessa cadeia, por vezes inactiva por falta de recursos financeiros – mesmo com dotação orçamental mas cativada à ordem do todo poderoso ministério das Finanças. De forma a abreviar um despacho positivo da reparação ou do fornecimento de tal ou tal componente, o Chefe de Serviço manda o Sargento ir seguir o caminho do documento por despachar, para ver se consegue desbloquear a situação. Por vezes consegue-se outras não, na maioria não se consegue mesmo.
[Já várias vezes alertei para o excesso de carga burocrática para o fornecimento de sobressalentes e de reparação de equipamentos, ao ponto de bastar aos Sargentos Técnicos cumprirem as normas vigentes, sem ir atrás dessas requisições rompendo com as normas, para os ramos pararem sem ser necessário declarar qualquer greve ou outra acção de protesto. Se um dia tal acontecer deve-se à excessiva carga hierárquica desnecessária, mas onerosa e pesada.]
Aqui chegados, e mesmo sem o ou os processos estarem concluídos, podemos questionar se houve crime disciplinar na atitude dos 13 Bravos Marinheiros, ou se antes, tiveram a coragem de se precaver para as consequências danosas dos crimes cometidos pela cadeia de comando cada vez que um Relatório ou uma Requisição de Material não foi devidamente atendida, olvidando cada um dos alertas contidos nesses tais Relatórios, pois estes para além dos aspectos técnicos são também um alerta para uma situação conducente à inoperacionalidade no todo ou em parte da Unidade Naval.
Seria útil um dos processos abordar a acção da Comissão Liquidatária das Forças Armadas e o seu envolvimento e culpas no ocorrido desde os Paióis de Tancos ao NRP Mondego, passando pelas negociatas exaurindo a Saúde Militar de meios para cumprir a sua missão de manter as Forças Armadas sãs e prontas para o Combate e a toda a Família militar como determina o Estatuto da Condição Militar no único artigo onde fala de direitos, para falar só de Forças Armadas.
E já agora, qual a responsabilidade do Comandante Supremo em todo este processo, por acção ou omissão?
E assim vamos, desde do SNS ao NRP Mondego, passando pela Escola Pública e pela Segurança Social Pública, pelos transportes públicos… até ao dia em que aqueles 13 Bravos se multipliquem por centenas de milhar; até lá a Comissão Liquidatária de Portugal Soberano e Independente prosseguirá o seu criminoso combate.
Abraço solidário para os 13 Bravos!
Venha Mar!
Fontes
- Texto e fotografia do autor: aqui, via Old Boys Network.
- Cartoon: Old Boys Network.
END